Moacir Gadotti
Moacir Gadotti é professor da Universidde
de São Paulo e Diretor Geral do Instituto Paulo Freire. Escreveu vários livros.
Entre eles: Convite à leitura de Paulo Freire (traduzido em japonês, espanhol, italiano,
inglês), Pedagogia da práxis (português, espanhol, inglês), História das
idéias pedagógicas (português, espanhol),
Pedagogia da Terra e Um
legado de esperança. Seu livro Paulo Freire: uma biobibliografia, com cerca
de 800 páginas, é o trabalho mais completo disponível sobre a vida e a obra de Paulo
Freire.
Linda Bimbi, no belo
prefácio da edição italiana da Pedagogia do Oprimido, afirma, com razão, que
Paulo Freire é “inclassificável”. Passados mais de 30 anos, depois de tantos
trabalhos publicados por ele e sobre ele, a afirmação ainda continua válida. Estamos diante de um autor
que não se
submeteu a correntes e
tendências pedagógicas e criou um pensamento vivo orientado apenas pelo ponto
de vista do oprimido. Essa é a ótica básica de sua obra, a qual foi fiel a vida
toda: a perspectiva do oprimido. Ela está estampada na dedicatória do seu livro
mais importante: “Aos esfarrapados do mundo e aos que neles se descobrem e, assim
descobrindo-se, com eles sofrem, mas, sobretudo, com eles lutam”.
Pedagogia do oprimido foi escrito no
Chile em 1968. A pergunta que podemos
fazer hoje é a seguinte: esse ponto de vista é ainda válido? Caso não seja
válido, já não haveria mais porque continuar lendo Paulo Freire. Ou melhor, Paulo
Freire seria um autor já superado, porque sua luta pelo oprimido estaria superada. Ele passaria para a história como um grande
educador, mas que não teria mais nada a dizer para o nosso tempo.
Pelo contrário, a
sua pedagogia continua válida não só porque ainda há opressão no mundo, mas
porque ela responde a necessidades fundamentais da educação de hoje. A escola e
os sistemas educacionais encontram-se hoje frente a novos e grandes desafios
diante da generalização da informação na sociedade que é chamada por muitos de sociedade
do conhecimento, de sociedade da aprendizagem. As cidades estão se tornando educadoras
e aprendentes, multiplicando seus espaços de formação. A escola, nesse novo contexto de impregnação
do conhecimento, não pode ser mais um espaço, entre outros, de formação.
Precisa ser um espaço organizador dos múltiplos espaços de formação, exercendo
uma função mais formativa e menos informativa. Precisa tornar-se um “círculo de
cultura”, como dizia Paulo Freire, muito mais gestora do conhecimento social do que lecionadora.
Nesse contexto, o
pensamento de Paulo Freire é mais atual do que nunca, pois, em toda a sua obra
ele insistiu nas metodologias, nas formas de aprender e ensinar, nos métodos de
ensino e pesquisa,
nas relações pessoais,
enfim, no diálogo.
Devemos continuar
estudando a sua obra, não para venerá-lo como a um totem ou a um santo, nem
para ser seguido como a um guru, mas para ser lido como um dos maiores educadores
críticos do século XX. Honrar um autor é
sobretudo estudá-lo e revê-lo criticamente, retomar seus temas, seus problemas,
seus questionamentos.
Nisso ele mesmo nos
deu um belo exemplo. Paulo retomava com freqüência os mesmos temas. Há algo que
permanece constante no pensamento dele: a sua preocupação ética, seu
compromisso com os “condenados da Terra” (Pedagogia do oprimido), com os
“excluídos” (Pedagogia da Autonomia). Seu ponto de vista foi sempre o mesmo. O
que há de diferente é a ênfase em certas problemáticas que, estas sim, vão se
diversificando e evoluindo.
Paulo Freire
“retoma” certos temas, como em Pedagogia da esperança, “retoma” a
sua Pedagogia do oprimido. Em sua
Pedagogia da autonomia ele afirma
textualmente que retoma certos problemas, mas não como “pura repetição do que
já foi dito”. “No meu caso
pessoal”, diz ele nas páginas 14 e 15
desse livro, “retomar um assunto ou tema tem que ver principalmente com a marca
oral de minha escrita. Mas tem que ver também com a relevância que o tema de
que falo e a que volto tem no conjunto de objetos a que direciono minha curiosidade.
Tem a ver também com a relação que certa
matéria tem com outras que vêm emergindo
no desenvolvimento de minha reflexão”.
Há certamente na
obra de Paulo Freire um retorno e um desenvolvimento em espiral de uma grande
polifonia de temas geradores orientados pela escolha de um ponto de vista emancipador da
ciência, da cultura,
da educação, da comunicação etc. Por isso pode-se
concluir que a obra de Paulo Freire gira em torno de um único objeto de
pesquisa. Este objeto estaria já no seu primeiro livro Educação e atualidade
brasileira e que foi consagrado definitivamente na sua Pedagogia do oprimido: a
educação como instrumento de libertação.
Por que devemos
continuar lendo Freire?
Alguns certamente
gostariam de deixá-lo para trás na história das idéias pedagógicas e outros
gostariam de esquecê-lo, por causa de suas opções políticas. Ele não queria
agradar a todos. Mas havia uma unanimidade em todos os seus leitores e todos os
que o conhecerem de perto: o respeito à pessoa. Paulo sempre foi uma pessoa cordial, muito
respeitosa. Podia discordar das idéias,
mas respeitava a pessoa, mostrando um
elevado grau de
civilização. E mais: sua prática
do diálogo o levava a respeitar também o pensamento daqueles e daquelas que não
concordavam com ele. Definiu-se, certa vez,
como um “menino conectivo”.
A pedagogia do diálogo
que praticava fundamenta-se numa filosofia pluralista. O pluralismo não
significa ecletismo ou posições “adocicadas”, como ele costumava dizer.
Significa ter um ponto de vista e, a partir dele, dialogar com os demais. É o
que mantinha a coerência da sua prática e da sua teoria. Paulo era acima de
tudo um humanista. Seria a única forma de “classificá-lo” hoje. Não há dúvida
de que Paulo Freire foi um grande humanista.
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