quarta-feira, 9 de maio de 2012

Resenha - LIVRO: Sociedades Camponesas¹


Texto resenhado por Silvânia Araújo,  acadêmica  do curso de Doutorado do Programa de Pós-graduação em Educação da Universidade Federal da Paraíba.

WOLF, Eric R. Sociedades camponesas. 2 ed. Rio de Janeiro: Zahar Editores, 1976.¹

Eric Wolf apresenta, em uma perspectiva antropológica, a questão camponesa a partir dos problemas e aspectos econômicos de sua formação e organização histórica. As comunidades camponesas seriam, para Wolf (1976), o resultado do aparecimento da civilização no lugar das sociedades primitivas, e o marco da civilização seria definido, justamente, pelo aparecimento e desenvolvimento de uma ordem social complexa, “baseada na divisão social e de poder assimétrica entre os que governam e os que cultivam”. O camponês sempre existe  dentro de um sistema maior, no qual está em posição subalterna,  apesar de ter acesso  à  terra e,  através dela, conseguir um grau importante de autonomia.

Assim, no primeiro capítulo do texto, Wolf (1976) inicia sua discussão com a diferenciação entre o camponês  e  o  “cultivador  primitivo”.  Para ele,  enquanto este último realiza a troca dos excedentes diretamente no seu grupo social (relação simétrica), o camponês transfere seus produtos ou excedentes para as mãos de um grupo dominante (não simétrica). A seguir, situa o surgimento da agricultura na Ásia, como processo civilizatório (mais ou menos, 9 mil anos a. C. segundo dados arqueológicos). No México, por volta de 7 mil a.C. e de maneira plenamente estabelecida em torno de 1500 a.C., onde se deu uma diferenciação na divisão funcional do trabalho.

O autor estabelece os conceitos de “mínimo calórico” e “excedente” para determinar o quanto de produção é necessário para a manutenção da vida do cultivador rural e a parte da produção que é efetivamente transferida. Separa dessa produção o que seria o “fundo de manutenção”, das partes que teriam uma função social como o fundo cerimonial, o custo relativo às participações sociais; o fundo de aluguel, para o resgate de dívidas com alguém que exerça um poder superior e, por fim, o fundo de poder, que é a parte apropriada pelos dominadores.

Wolf (1976) também mostra, utilizando-se de diferentes situações geográficas, o papel  das cidades relacionado à crescente complexidade social e a relação das comunidades camponesas com os centros urbanos em diferentes momentos da história e o Estado como forma constituinte da civilização. Somente nesse momento, a partir de relações exteriores a seu extrato social,  segundo ele, o camponês assume um papel na relação com os detentores do poder. 

Apresenta o lugar do campesinato como espaço produtor de reservas de riquezas e a posterior perda de importância em função da revolução industrial. Dessa forma, descreve o “dilema camponês”, ou seja, a necessidade de produzir o mínimo calórico, o fundo de manutenção e os fundos cerimoniais em contraposição às demandas externas e limitações com o tamanho da terra e força de trabalho. Nesse ponto, o autor apresenta as teses de Chayanov para justificar a lógica campesina de trabalhar apenas no limite da satisfação do consumo familiar.  Para Wolf (1976), portanto, estas características econômicas são também definidoras do campesinato, as quais podem ser relacionadas às diferentes dimensões contidas na noção de território:

• A unidade camponesa  de  produção  orienta-se na busca de garantir produção visando a:

a. um fundo de manutenção: o autoconsumo que propicia o mínimo calórico para a família, a produção de sementes para a próxima safra, a alimentação animal e o reparo de suas ferramentas e instalações – está relacionado à dimensão material do território;

b. um  fundo cerimonial  que pretende a reprodução social e cultural  do grupo familiar e comunitário  ao qual pertence  –  está relacionado à  dimensão simbólica  do território;

c. um  fundo de aluguel  objetivando atender exigências que não vieram de seu trabalho na terra  e sim, do atendimento a setores dominantes da sociedade  que se apropriam dos excedentes produzidos pelas unidades camponesas – está relacionado à dimensão das relações de poder que envolvem o território (acesso, domínio e uso).

• A unidade camponesa é tanto uma unidade econômica como um lar – articulação entre  trabalho, produção e consumo (culturalmente  definido)  –  e suas despesas não são ditadas  diretamente pela existência de um sistema econômico, governado por preços e lucros.

No segundo capítulo do texto, Wolf (1976) aborda os aspectos econômicos do campesinato, apresentando alguns sistemas utilizados para extrair  o  sustento e  os excedentes, os “ecótipos camponeses”. Para ele, “ecótipo” seria o sistema de transferência de energia do meio ambiente para o homem. O autor divide os ecótipos em “paleotécnicos” (primitivos da primeira revolução agrícola – força de trabalho humana e animal) e o “neotécnico”  (com a utilização de máquinas e implementos gerados pós- revolução industrial). 

No ecótipo paleotécnico, Wolf (1976)  descreve diferentes sistemas de uso da terra: pousios de curta e longa duração, pousios  setoriais e cultivos permanentes ou hidráulicos, a eficiência e importância de cada um deles. Além disso,  esse ecótipo tomou duas variantes principais: o ecótipo “Mediterrâneo” e o ecótipo “Continental ou transalpino”,  que misturam implementos rudimentares  com diferentes formas de pousios. Quanto aos ecótipos neotécnicos, ele destaca que foram utilizados a partir do século XVIII e são assim descritos: horticultura especializada, fazendas leiteiras, cultivo composto e, o último, relacionado com as culturas agrícolas dos trópicos. O autor apresenta as formas de relacionamento do camponês com o mundo exterior à sua propriedade. Descreve os sistemas de  zadrugas, da Eslávia meridional  no século XIX; formas comunitárias existentes na Índia e Europa medieval com as corporações, o jajmani; além de outras formas mais modernas de relacionamento de mercado em redes de trocas, como os mercados secionais.

Na parte final desse capítulo,  Wolf  (1976)  discorre sobre a disposição dos excedentes camponeses  e os tipos de domínio. Assim, estuda os mercados e as vinculações do campesinato, além das formas de influência do mercado com a composição dos preços das mercadorias, bens e serviços e os fatores de produção: terra e trabalho. Observa essa relação de mercado na Índia e na Europa e as diferentes formas de domínio sobre os camponeses, como por exemplo, os tipos: o patrimonial (feudal), de caráter hereditário; o prebendal, não hereditário,  ao contrário, representa concessão de rendas, uma de suas formas é a concessão pelo Governo e, o último, o mercantil, a terra vista como propriedade privada.  De acordo com o autor, essas três formas de domínio sobre a terra não  se excluem necessariamente e, na maior parte dos casos existentes, elas aparecem juntas.  Apresenta, para concluir, algumas experiências denominadas por “domínio administrativo”, reguladas pelo Estado, como as vivenciadas na União Soviética, com o  kolkhoz  (domínio administrativo, cujos maiores produtos, geralmente cerealíferos, são cultivados coletivamente) e o  sovkhoz  (outro domínio administrativo em que as fazendas são trabalhadas por turmas de lavradores que não tem qualquer vínculo com a terra); na China Popular, com as comunas  (que tentaram também agrupar um grande número de cultivadores em brigadas de produção e consumo sob os auspícios do Estado); e, no México, com os ejidos (que consistiam em lavouras inalienáveis concedidas a famílias específicas).  

No terceiro capítulo, Wolf (1976) discute os aspectos sociais do campesinato atribuindo, inicialmente, à família sua capacidade como unidade produtiva e sua varias ligações em termos de envolvimento econômico com outras famílias em termos horizontais e, em termos verticais, suas ligações com os detentores de poder. Para o autor, o grupo doméstico no campesinato se divide basicamente em família nuclear ou conjugal, que consiste em homem e mulher casados e sua prole; e família extensa, que agrupa em uma única estrutura certo número de famílias nucleares. Este  último grupo apresenta variantes conforme a sociedade de que faz parte. Dentre os tipos de família, Wolf (1976) destaca  que eles  guardam particularidades  próprias já que existem os membros permanentes, aqueles que precisam ser alimentados, alojados, vestidos e assistidos em outras necessidades num período de tempo prolongado, além da alimentação. Ele afirma ainda que a família extensa cria tensões que não são evidentes na família nuclear.

Quanto aos padrões de herança, o grupo doméstico sempre acaba por experimentar tensões. Por isso, a sucessão é regulada por normais especiais. Basicamente, existem dois sistemas de herança: 1) envolve a passagem de recursos a um único herdeiro ou herança sem partilha; e 2) envolve mais de um herdeiro ou sistemas de herança por partilha. De acordo com o autor, os sistemas de herança por partilha ou sem partilha podem ser mais diferentes, dependendo de terem ou não direitos sucessórios outorgados a todos os filhos ou somente aos varões. De fato, o campesinato se expõe continuamente a uma gama de pressões que se chocam contra ele e desafiam sua existência. São pressões seletivas que demandam a possibilidade de estratégias defensivas. Wolf (1976) nos coloca que essas pressões podem ser: 1) produzidas pelo ambiente; 2) emanadas pelo sistema social; e 3) emanadas da sociedade global da qual a propriedade camponesa faz parte. Tais pressões atingem todos os membros do campesinato, mas sempre uns mais que outros. Uma das estratégias defensivas indicadas pelo autor seria a seguinte: os grupos mais bem sucedidos a conjugar-se, diante do impacto das pressões, ajudando os mais problemáticos.

Com base nisso, ele ainda enfatiza que, em toda parte, os camponeses tendem a entrar em alianças que se mantem frouxamente, de modo a permitir a sua dispensa num período de provação severa. Essas alianças são chamadas por ele de  “coalizões”, ou seja, uma combinação ou ligação entre pessoas, facções e Estados, em geral, temporária.

Conforme seu critério, o autor distingue três tipos de coalizão camponesa:

1. O grau no qual são formadas coalizões entre pessoas que compartilham muitos interesses (coalizão multilinear) ou entre pessoas ligadas por um único interesse
(coalizão unilinear);

2. O número de pessoas envolvidas na coalizão. Ela por se  diádica  quando envolve duas pessoas ou dois grupos de pessoas, ou  poliádica quando envolve muitas pessoas ou grupos de pessoas;

3. O grau no qual são formadas as coalizões, tanto por pessoas com as mesmas oportunidades de vida, ocupando a mesma posição social, quanto por pessoas ocupando diferentes posições na ordem social.

Assim, as  coalizões podem envolver camponês com camponês, as quais são chamadas coalizões  horizontais; ou podem envolver camponeses e superiores fora do grupo, que são chamadas coalizões  verticais. Sob cada uma dessas condições ou sob todas elas juntas, os camponeses tem possibilidade de se encontrar de se encontrar em diferentes contextos sociais, lidando com diferentes indivíduos, engajados em diferentes atividades, estas por sua vez dirigidas a fins diversos. Para finalizar esse capítulo, Wolf(1976) discute  as coalizões unilineares e as multilineares, bem como o lugar dessas coalizões e a ordem social envolvente. Neste sentido, ele ressalta duas características da organização social: 1) a forte tendência à autonomia das famílias camponesas; 2) a forte tendência a formar coalizões numa base mais ou menos instável para objetivos a curto prazo.  Entretanto, finaliza afirmando: “entrando numa coalizão, a família não pode perpetuar-se a si própria”.

No quarto capítulo, Wolf (1976) ressalta o campesinato e a ordem ideológica, destacando que os camponeses fazem parte de uma ordem social mais vasta e se relacionam com ela através de suas coalizões, do mesmo modo participam de uma compreensão simbólica, uma ideologia, que se relaciona com a natureza da experiência humana. Essa ideologia consiste em atos e ideias cerimoniais e crenças, que preenchem diversões funções. No campesinato, uma ideologia tem significado moral e as relações entre as unidades familiares devem ser marcadas por um equilíbrio entre os interesses das unidades participantes e das coalizões que ligam o campesinato à sociedade mais ampla. Esse equilíbrio é validado pelo  cerimonial, categoria que gira em torno de um novo casamento e, por ele, a criação de um novo grupo doméstico. 

Quanto à  religião  camponesa, seus níveis de tradição não se explicam unicamente através de seus termos. Ela funciona para sustentar e equilibrar o ecossistema camponês e a organização social e também constitui  um componente da ordem ideológica mais ampla. É responsiva aos estímulos que  derivam tanto do setor camponês como da ordem social envolvente, por isso, a religião forja mais um elo que liga o campesinato a essa ordem. O sagrado camponês penetra no espaço da colheita e da saúde, tensionando simbologias próprias de caráter ideológico.  

O texto também estar disponivel em PDF. 
Para fazer Download acessar link:
http://www.4shared.com/office/llwdscPp/Resenha_do_Livro_Sociedades_Ca.html
 
 

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