Por
Andréia Gomes da Silva Andrade²
1. O texto apresentado é parte de um estudo monográfico
apresentado ao Curso de Pedagogia – CAP/UERN.
2. Graduada em Pedagogia pela Universidade do Estado
do Rio Grande do Norte - UERN, Campus Avançado
de Patu – CAP.
É
impossível que se descreva o percurso histórico da EJA sem associá-lo ao grande
pedagogo Paulo Freire, nome esse diretamente conectado à experiência pioneira
por ele desenvolvida em Angicos/RN, a qual foi palco, em princípios de 1963, de
um dos maiores acontecimentos ligados à alfabetização no mundo.
Para melhor descrevê-lo, é
imprescindível que iniciemos, antes, falando sobre os fatos que o sucederam: em
dezembro de 1962, um grupo de estudantes, em sua maioria, universitários,
chegou a Angicos/RN para fazer um levantamento do universo vocabular da sua
população. Já em 1963, esses estudantes, sob a coordenação de Freire, criaram
vários Círculos de Cultura (CC), mobilizando a população mais carente do lugar,
sob o patrocínio do Governo do Rio Grande do Norte, através do então governador
Aluízio Alves. Esses Círculos tinham, na ótica de Freire, um papel de suma
importância, na medida em que favoreciam o diálogo entre educando e educador,
propiciando o conhecimento da realidade desse público, tendo em mente partir
daí para o conhecimento “sistemático”. Como assim podemos destacar em Freire
(1997, p. 70):
[...] comunicação,
que se faz por meio de palavras, não pode ser rompida a relação
pensamento-linguagem-contexto ou realidade. Não há pensamento que não esteja
referido à realidade, direta ou indiretamente marcado por ela, do que resulta
que a linguagem que o exprime não pode estar isenta destas marcas.
Para Freire,
a linguagem se configura como atividade construtiva e que, portanto, é no
diálogo que se aprende.
O que se pretende com
o diálogo, em qualquer hipótese (seja em torno de um conhecimento científico e
técnico, seja de um conhecimento ‘experiencial’), é a problematização do
próprio conhecimento em sua indiscutível reação com a realidade concreta na
qual se gera e sobre a qual se gera e sobre a qual se incide, para melhor
compreendê-la, transformá-la (FREIRE, 1997, p. 52).
Cremos que são estes os elementos que
dão abertura ao método freiriano, inovador no Brasil, que se torna mundialmente
conhecido, por viabilizar uma alfabetização que extrapola o mero
desenvolvimento cognitivo, já que busca o potencial humano de ser, falar e
conhecer, tanto os “conteúdos” propostos, quanto o mundo que o cerca, fazendo
com que o indivíduo educando se reconheça na sua subjetividade, sentindo-se
sujeito e não mero objeto de sua história e da história que o cerca.
Voltando a experiência pioneira em
Angicos/RN, Freire propôs que seus participantes aprendessem a ler e a
escrever, e mais ainda, viessem a se politizar em apenas 40 horas, sendo estes
seus objetivos fundamentais. Fato esse que popularizou essa experiência,
atraindo, para Angicos, vários especialistas em educação, além de jornalistas
nacionais e internacionais, e políticos à exemplo o próprio presidente do
Brasil, na época, João Goulart.
Depreende-se do exposto que, apesar de
estarmos vivendo na época um momento conturbado, devido a ser esse imediatamente
anterior ao golpe militar de 1964, a experiência do “método” pioneiro, teve
grande influencia na vida da população brasileira, principalmente para os
alfabetizados nas “40 horas de Angicos”, que tiveram a oportunidade de
tornarem-se sujeitos plenamente alfabetizados, agora, capazes de reconhecer
seus direitos e deveres em toda sua plenitude. A conjuntura histórica dessa
época é muito bem descrita nas palavras de Germano (apud ARAÚJO SILVA, 2012,
p.11):
O país vivia, então,
um clima de muitas mobilizações em favor das chamadas reformas de base. O campo
nordestino fervilhava com as Ligas Camponesas e com os Sindicatos Rurais que
lutavam pela reforma agrária. Partidos reformistas conseguiram ampliar os seus
espaços paralelos, e políticos identificados de esquerda conseguiram ser
eleitos para altos cargos executivos [...].
É em meio a esse contexto que a
prática educativa, através de uma educação que se quer popular, com gênese e
difusão em Paulo Freire, torna-se uma prática emancipadora, politizadora,
inclusiva, conscientizadora, libertadora, integradora, formadora de opiniões de
homens e mulheres, agora verdadeiros cidadãos livres.
Entende-se, desse fato, que não
somente por ter conseguido alfabetizar cerca de 300 pessoas, em 40 horas, a
experiência inovadora, idealizada por Freire, sendo difundida pelo próprio e
por seus “seguidores”, tenha se tornado mundialmente conhecida e valorizada,
pois, propunha, em tempos difíceis, uma prática aplicável e inovadora, que
traria para a população carente do nordeste brasileiro a libertação tão
esperada, a transformação da realidade de qualquer pessoa que esteja disposta a
se tornar um ser, alfabetizado, letrado, cidadão completamente politizado.
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