Profa. Esp. Giovana Gomes Albino
UFRN/PPGEd1
Pensar na Educação de Jovens e Adultos e em tudo que esta modalidade de ensino retrata no cenário brasileiro significa considerar os muitos percursos que foram se delineando até seu reconhecimento enquanto modalidade e, em meio a isso, o entendimento de que o acesso ao conjunto de conhecimentos produzidos ao longo do tempo pela humanidade traduz-se como um direito de todos os cidadãos.
Desse modo, destacando desde a ação missionária jesuítica no território brasileiro como primórdio dessa educação, passando por progressos e recuos por ela vivenciados no que tange aos trâmites legais e ao seu reconhecimento enquanto modalidade específica na organização educacional do país, muitos foram os embates, as lutas, as ações e os programas que a tomaram, alguns desencadeados pelo próprio governo e outros de caráter popular, comunitário, figurando, sobretudo, o intuito de atender com os rudimentos básicos do saber sistematizado os muitos cidadãos socialmente marginalizados pela falta de domínio deste saber.
Considerando essa realidade, buscamos enfatizar no presente texto alguns fatos que foram construindo essa história no contexto educativo estadual do Rio Grande do Norte, evidenciando as ações e constituições que desencadearam o atual cenário vivenciado por essa modalidade de ensino neste estado. Para tanto, enveredamos nos ambientes escolares em que a Educação de Jovens e Adultos se concretiza, buscando conhecer a concepção assumida pelos docentes a ela integrados a respeito de suas atuações enquanto profissionais imersos nesse universo específico de educação.
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A EJA no Rio Grande do Norte: proximidades de uma história
Não distante dos embates e construções vividos pela Educação de Jovens e Adultos no cenário nacional, o Rio Grande do Norte representou um estado de grande destaque na história dessa modalidade de ensino, por ter sido palco de experiências pioneiras nos primeiros anos da década de 60, o que o torna referência de análises e estudos históricos voltados à educação popular e de adultos desenvolvidos no Brasil.
Realizações como: o Movimento de Educação de Base – MEB – com as escolas radiofônicas no ano de 1958, através do Serviço de Assistência Rural – SAR – atuante no ensino de adultos desde 1949; a campanha De pé no chão também se aprende a ler, na cidade do Natal entre 1961 e 1964 e a criação do Centro de Cultura Popular localizado nessa mesma cidade concomitantemente à Campanha; a Alfabetização de adultos ocorrida no município de Angicos nos anos de 1962 e 1963, tendo como base as propostas de ensino defendidas pelo educador Paulo Freire; a implantação de campos de educação popular abrangendo os meios de comunicação de massa, como o rádio e a televisão, dentre eles o Curso de Madureza ao nível ginasial, pelo rádio, e o Projeto SACI, em convênio com o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais e a Secretaria Estadual de Educação, realizado em 1975 e destinado ao trabalho com o ensino regular, representaram algumas das concretizações vividas pelo estado tendo como alvo os jovens e adultos afastados dos contextos de educação formal.
Desse modo, a EJA atingiu uma grande relevância no Rio Grande do Norte, garantindo uma atuação significativa e coerente com a realidade em que se encontrava imersa a educação em todo o país. O MOBRAL, enquanto ação de bastante destaque no cenário nacional teve sua inserção no estado a partir de 1970, quando adquiriu maior capacidade de expansão, estabelecendo convênio com as prefeituras e lideranças locais em dezessete municípios.
Durante toda a década de 70, muitos foram os convênios firmados, os cursos e programas administrados pelo estado em conformidade e com a participação de várias prefeituras que se propunham a trabalhar com a Educação de Jovens e Adultos. Todos esses empreendimentos mantinham como ideal a ampliação e o aperfeiçoamento do trabalho já em desenvolvimento ou mesmo a implantação de outros projetos que favorecessem essa educação, tanto em nível de alfabetização quanto dos ensinos fundamental e médio, sobretudo, sob a forma de ensino supletivo. Assim, em relação às realizações no campo da EJA durante essa década, houve a elaboração da Proposta Curricular para o Ensino Fundamental do Estado do RN (1996, p. 12) na qual
A SEC assumiu o ensino supletivo a partir da década de 70 com a emissão do Projeto Minerva, mediante convênio com o SER-MEC. Em 1971 promoveu um curso preparatório aos exames de madureza de 1º grau com 12 meses de duração; em 1972 firmou convênio com a UFRN e INPE para promover um curso, via rádio e TV, destinado a suprir escolarização ao nível de 1º grau, para professores não titulados no projeto SACI. Nesse mesmo ano foi firmado convênio com o MOBRAL para dar início ao programa de Educação Integrada. Em 1973 teve início a emissão de um curso ginasial intensivo via TV, mediante convênio com a SUDENE. Em 1974, foi estabelecido um convênio entre o DSU-MEC e a SEC/RN para implantar os Centros de Estudos Supletivos, em caráter experimental, com atendimento de 5ª a 8ª séries do 1º grau – CIPS – e assumiu, com a criação da Comissão Estadual de Exames Supletivos em 1973, os Exames de Educação Geral em nível de 1º e 2º graus.
A década de 80 teve seu início marcado pelo lançamento do Projeto Conquista – curso de suplência de 5ª a 8ª séries do 1º grau, transmitido via televisão. Entretanto, constatado um alto índice de evasão, o Projeto foi extinto, cedendo lugar à implantação do supletivo de 1º grau, em 1981. No decorrer da década, as ações da Secretaria Estadual de Educação, Cultura e Desportos do RN – SECD/RN – se centraram apenas em sistematizações dos programas e projetos já empreendidos, não havendo, portanto, novas iniciativas voltadas à Educação de Jovens e Adultos, chegando, até mesmo, a haver uma desativação por parte de algumas instituições.
Somente na década seguinte, no ano de 1994, o Rio Grande do Norte coloca em ação o Programa de Erradicação do Analfabetismo, que teve apenas seis meses de duração – correspondendo ao período de maio a novembro, apesar de ter sido lançado com a pretensão de atingir setenta e oito municípios e uma demanda de dez mil e quinhentos jovens e adultos analfabetos.
Fazendo um balanço acerca da realidade então vivenciada pelo estado acerca da educação voltada à população analfabeta, a Proposta Curricular apresenta a seguinte conclusão:
[...] o ensino supletivo, mesmo integrado ao sistema oficial de educação, tem sido relegado a programas, cursos e campanhas que se caracterizam pela descontinuidade do processo pedagógico, do ensino-aprendizagem e dos conteúdos de conhecimento científico (Op. cit, p. 13).
Não obstante, a SECD/RN destaca, ainda na década de 90, a implantação do Projeto Esperança de Educação de Jovens e Adultos, na zona periférica da capital, em que mais de 20% da população constituía-se por analfabetos. Tal projeto visava alfabetizar uma média de doze mil jovens e adultos e, além disso, oferecer oportunidades de prosseguimento nos estudos do ensino fundamental para os recém alfabetizados.
Nos anos seguintes ocorre uma reorganização dos setores da SECD/RN e a partir de 2002 é criada a Subcoordenadoria de Educação de Jovens e Adultos – em substituição à antiga Subcoordenadoria de Ensino Supletivo – responsável pelas ações e sistematizações do trabalho voltado a essa modalidade de ensino. Dentre as ações desenvolvidas por esse setor ao longo dos últimos anos, destacam-se: o Programa Recomeço, voltado à realização de cursos de formação continuada e capacitações dos profissionais atuantes com o público jovem e adulto; a instituição dos Centros de EJA – CEJA – existentes na capital e em algumas cidades pólos do interior e responsável pela escolarização de jovens e adultos nos ensinos fundamental e médio com o sistema de Bancas Permanentes de Ensino, avaliação e certificação; os exames supletivos, que abrangiam todo o estado e garantiam a certificação nos níveis fundamental e médio – extintos em 2006; o PROEEJA, que oferecia preparação para o ingresso no ensino fundamental; o PROFAE, direcionado à escolarização dos profissionais da saúde – ambos já extintos; a implantação de turmas de EJA vinculadas às escolas, porém, funcionando dentro de hospitais públicos e particulares para atendimento de funcionários em níveis fundamental e médio; e, a estruturação e publicação das Diretrizes Orientadoras para o Ensino Fundamental da EJA em 2006 e para o Ensino Médio em 2007. Além disso, turmas de EJA são ofertadas em todo o estado tanto para o nível fundamental quanto para o médio como integrantes das instituições escolares, perdendo, com isso, o caráter de atuações pontuais e sistematizando-se como trabalho permanente de ensino destinado ao público jovem e adulto, conforme prevê a LDB em vigor.
De modo geral, percebemos que as ações educativas voltadas aos jovens e adultos no Rio Grande do Norte condizem com as definições que tomam a EJA em seu caráter nacional. Não se identifica uma política educacional específica do próprio estado para esse alunado, no entanto, o caráter de programas e projetos pontuais que demarcaram sua existência ao longo do tempo também perdeu sua razão de ser nos últimos anos, firmando-se, bem mais, o empenho em se desenvolver o trabalho empreendido dentro das escolas.
A realidade docente em meio a esse contexto: o sentido da formação.
Diante do cenário até então retratado, faz-se mister uma importante questão: como se dá a atuação dos profissionais dentro dessa modalidade, considerando as especificidades e necessidades que a mesma apresenta? É importante ressaltarmos que uma vez inexistente uma política estadual voltada ao acompanhamento sistemático do trabalho destinado aos jovens e adultos, define-se um sentido de autonomia centrada nos próprios estabelecimentos escolares quanto ao encaminhamento e desenvolvimento de projetos pedagógicos que impulsionem e favoreçam o processo de aprendizagem desses jovens e adultos, cabendo, assim, aos docentes atuantes nessa realidade o desencadeamento de um trabalho correspondente com as aspirações inerentes à modalidade de ensino tratada. Ao tratarmos dessa abordagem torna-se essencial refletirmos sobre a concepção de formação que esses profissionais possuem e sua relação com a Educação de Jovens e Adultos.
Ao pensarmos em formação devemos considerar que as instituições existentes no estado do Rio Grande do Norte não apresentam cursos de formação inicial voltados exclusivamente para a atuação nessa modalidade de ensino. Desse modo, a maioria dos docentes nela atuantes possui um processo formativo voltado para a prática nos níveis fundamental e médio do sistema regular de ensino, ou seja, para o atendimento às crianças, aos adolescentes e aos jovens com idades correspondentes aos anos escolares aos quais se encontram matriculados.
As formações específicas à Educação de Jovens e Adultos apresentadas por alguns desses docentes remetem-se ao nível de especializações adquiridas de modo particular, o que se registra como um número pouco significativo se considerado o universo de profissionais atuantes na modalidade em destaque. Além disso, o governo estadual, por meio da Subcoordenadoria de Educação de Jovens e Adultos, vem ofertando, ao longo dos últimos anos, cursos de capacitação voltados a esses docentes, no intuito de promover momentos de discussão e atualização a esses profissionais. No entanto, além da frequência irregular desses eventos, não se percebe um caráter de continuidade no trabalho desenvolvido, configurando-se bem mais em atividades pontuais de encontro e discussão entre os docentes.
É importante lembrarmos, porém, que essa realidade não figura um fato específico do estado do Rio Grande do Norte, mas reflete, na verdade, o quadro que toma essa modalidade de ensino na maior parte do território nacional, cujos docentes possuem formações voltadas ao ensino regular ou buscam formações especializadas em contextos particulares.
Fazendo uma retomada histórica acerca da formação de professores para a Educação de Jovens e Adultos no Brasil, Soares (2005, p. 128-131) coloca:
A formação do educador de adultos está, há muito tempo, em questão. [...] a I Campanha Nacional de Educação de Adultos no Brasil, lançada em 1947, passou a ser sistematicamente criticada por não preparar adequadamente professores para trabalhar com essa população. No I Congresso Nacional de Educação de Adultos, realizado no Rio, ainda em 1947, já se ressaltavam as especificidades das ações educativas em diferentes níveis e se recomendava uma preparação adequada para se trabalhar com adultos. Passados mais dez anos, no II Congresso de Educação de Adultos, realizado em 1958, tornaram-se ainda mais agudas, explícitas e generalizadas as críticas à ausência de uma formação específica para o professorado, assim como à falta de métodos e conteúdos pensados particularmente para a educação de adultos.
Em consonância com a discussão anteriormente realizada, a colocação do autor enfatiza a discussão que há muito tempo se constitui sobre a formação específica desses profissionais, sem que isso, entretanto, se configure como uma realidade resolvida no atual sistema educativo no país. A este respeito, enfatizamos a relevância que se coloca sobre a formação para a atuação profissional do docente, tendo em vista que sua prática vincula-se diretamente a um processo de formação inicial que lhe permita o conhecimento mais sistemático sobre seu trabalho, bem como um contexto de formação continuada que lhe propicie aprofundamentos, reflexões e melhoramentos permanentes de suas atividades, mediante um maior domínio e reconhecimento do cenário em que se encontra inserido.
No entender de Pimenta e Ghedin (2005, 199),
[...] formação do professor será sempre uma auto-interrogação porque as possibilidades nunca se esgotam. O professor nunca estará acabado, nunca dominará plenamente seu percurso. E por isso a formação nos coloca em confronto com nós mesmos, com o possível humano existente em nós. Espera-se que o professor, ao olhar-se no espelho,depare com alteridade mais radical.
A colocação destacada remete, assim, a um processo formativo que não se refere apenas à realização de um curso ou de um evento específico, mas a um contínuo construir de conhecimentos, centrado nas necessidades, nos desafios, na realidade com que o docente se depara cotidianamente. O sentido de formação continuada toma, desse modo, um ideal de reconstrução permanente dos conhecimentos já existentes sobre o trabalho numa relação direta com a aplicação desses conhecimentos.
Ao tratar do sentido de formação continuada para a prática profissional, Tardif (2002, p. 249) coloca:
Tanto em suas bases teóricas quanto em suas conseqüências práticas, os conhecimentos profissionais são evolutivos e progressivos e necessitam, por conseguinte, de uma formação contínua e continuada. Os profissionais devem, assim, autoformar-se e reciclar-se através de diferentes meios, após seus estudos universitários iniciais. Desse ponto de vista, a formação profissional ocupa, em princípio, uma boa parte da carreira e os conhecimentos profissionais partilham com os conhecimentos científicos e técnicos a propriedade de serem revisáveis, criticáveis e passíveis de aperfeiçoamento.
É nesse cenário que destacamos, portanto, a constituição do docente da Educação de Jovens e Adultos. Tendo em vista a inexistência de uma formação inicial condizente com as especificidades da modalidade, consistiria na formação continuada um recurso para o aprofundamento dos aspectos inerentes a essas singularidades, resultando, com isso, em um desempenho mais significativo e correspondente à atuação junto ao alunado jovem e adulto.
As ações enveredadas pela Subcoordenadoria de Educação de Jovens e Adultos voltadas aos docentes têm como foco essa realidade, visando desenvolver um trabalho que possa contribuir para o aperfeiçoamento desses profissionais de forma condizente com a natureza, as aspirações e necessidades da modalidade. No entanto, a ausência de continuidade nos assuntos abordados e a forma de organização dos grupos, distantes de seus contextos escolares e de suas realidades específicas, acabam por culminar apenas em eventos de capacitação, cujo sentido real não corresponde àquele retratado como continuidade na formação.
Nessa relação, podemos evidenciar a colocação de Candau (1997, p. 64), para quem
[...] a formação continuada não pode ser considerada como meio de acumulação (cursos, palestras, seminários, etc., de conhecimentos ou de técnicas), mas sim como um trabalho de reflexibilidade crítica sobre as práticas e de (re)construção permanente de uma identidade pessoal e profissional, em interação mútua.
Enveredando por esse entendimento e tendo como base a realidade docente na rede estadual de ensino – conforme já explicitado em momentos anteriores –, nos dispomos a conhecer a concepção que os próprios professores apresentam acerca da Educação de Jovens e Adultos e como se posicionam diante desse contexto educativo.
No que se refere à modalidade, percebemos que as colocações realizadas enfatizam perspectivas relativamente diferentes, apesar de todas se reportarem às carências, necessidades e atenção que requerem os alunos em virtude de seus históricos de vida e da “penalização” sofrida por não terem conseguido o êxito escolar na idade “apropriada”. Assim, observamos que um grupo de docentes localiza a modalidade como um espaço de desafio profissional, de responsabilidade extrema e de um grande senso de perseverança a fim de se manter a turma ao longo do ano letivo e alcançar resultados significativos; outro, a aponta como um contexto que requer a dedicação, a vocação, o amor, a doação e demais características de ordem afetiva e solidária do profissional, em vista da realidade carente em que se apresenta seu alunado; e, um terceiro, demarca essa modalidade de ensino como causadora de insatisfações, desestímulo, sofrimento e que “se considerada em sua essência, não deveria existir”, tendo em vista que representa um trabalho sofrível para o professor e, principalmente, para os alunos.
Diante dessas considerações, podemos destacar colocações como:
Trabalhar na EJA requer perseverança porque é um segmento onde as dificuldades são maiores que nos demais. [...] a gente enfrenta dificuldades como profissional, como pessoa... e é necessário perseverança e coragem para vencer os desafios que a gente encontra pela frente (Prof. 16, EJA – Período II).
O amor, ele move as pessoas para fazer algo, né? Com prazer. E para educar na EJA nós precisamos realmente ter esse sentimento para se dedicar ao outro, né? Já que o adulto... ele não teve oportunidade de passar por um processo de escolarização, então ele vem para a escola com muitas lacunas e se não tiver alguém que o acolha... (Prof. 08, EJA – Período I).
Eu acho que não deveria existir EJA. [...] eu dou aula, tenho o maior prazer, mas eu vejo o esforço particular de cada um de estar aqui. [...] eles aprendem como uma nova etapa, como algo a mais... vamos dizer assim... para crescerem, mas não é com o objetivo de uma criança que tem uma vida para dar sentido àquilo. Então, às vezes, eles não mostram significado para o que a gente ensina. É mais uma atividade do dia, mas não alguma coisa que irá realmente fazer diferença na vida deles (Prof. 09, EJA – Período I).
Conforme podemos observar, essas abordagens apontam aspectos pertinentes aos contextos da EJA, presentes nos muitos discursos proferidos sobre a modalidade, como as questões de evasão, das peculiaridades de aprendizagem e objetivos do adulto em relação à criança, dentre outros. Entretanto, se voltam unicamente para características inerentes ao contexto, sem evidenciar de forma clara a concepção assumida pelos profissionais no que diz respeito à modalidade em si. As falas se mantêm em um caráter de comparação entre o ensino de crianças e as distinções com o ensino destinado aos jovens e adultos, mas a natureza real deste ensino, as particularidades que envolvem questões didáticas, metodológicas e curriculares, que enfatizam uma concepção mais aprofundada sobre o mesmo, considerando aspectos que lhes são próprios, não se mostram evidentes.
Tratando da especificidade existente na Educação de Jovens e Adultos, a própria Secretaria Estadual de Educação e Cultura lançou uma coletânea de fascículos em que podemos encontrar a seguinte colocação:
Educar nesse cenário [da EJA] consiste em aprender a conviver com a existência de sujeitos inseridos num determinado contexto sócio-histórico, [...] envolver-se no campo de estudo e da pesquisa para compreender esses alunos como sujeitos repletos de referências e expectativas, de experiências que vivenciaram ao longo da vida, das quais tiram lições e aprendem coisas. [...] as reflexões de educadores voltados para a prática de EJA devem, portanto, contemplar um ensino receptivo às diferenças desses sujeitos que se constroem constantemente como agentes de uma interlocução necessária e permanente (RIO GRANDE DO NORTE, 2005, p.5).
As observações, todavia, nos apontam certa distância entre as vozes dos professores e a concepção destacada no documento. Prevalecem os conhecimentos mais práticos dos docentes, adquiridos mediante as atividades e vivências cotidianas com os alunos e a realidade escolar, porém, ainda distantes de uma concepção realmente consistente acerca da modalidade em si, das características que a definem e do trabalho pedagógico a ser desenvolvido em consonância com as aspirações e necessidades que a modalidade carece. Não obstante, ao nos referirmos ao trabalho pedagógico realizado pelos professores, a fim de percebermos os posicionamentos por estes assumidos em relação as suas atuações no contexto do alunado jovem e adulto, encontramos depoimentos que versam, sobremaneira, a respeito das questões de criatividade, inovação nas atividades, estímulo e dinamismo. O aprofundamento nessas abordagens nos permitiu identificar que esses profissionais mantêm como foco principal em suas atuações a busca por uma quebra de rotina no ambiente escolar, com o propósito de afastar a possibilidade de desestímulo e a desistência dos alunos.
Essas percepções nos permitiram entender que para esses docentes, o trabalho realizado nas turmas de jovens e adultos eleva como diferença maior do ensino regular a necessidade de manter os alunos freqüentando, o que pode ser atingido através da quebra de rotina. Os discursos não se voltam à singularidade do trabalho no que tange às questões curriculares ou metodológicas tendo em vista as idades, experiências de vida e aspirações dos alunos, mas ao dinamismo que a escola pode oferecer-lhes e, com isso, a garantia de sua permanência no ambiente. Mostra-se claro que os professores, sentem-se “culpados”, de certo modo, pela evasão existente nas turmas. É perceptível, também, a pouca consistência demonstrada pelos docentes acerca da modalidade de ensino e de sua atuação enquanto profissionais nessa realidade, prevalecendo discursos socialmente divulgados a respeito “dos altos índices de evasão existentes na EJA” e da necessidade de um trabalho que venha a amenizá-los.
Nessa relação, ao tratarem de suas práticas pedagógicas, assim se colocam alguns professores:
A gente tá lidando com um público totalmente diferente. [...] você tem que trabalhar de maneira diferenciada... tem que ter compromisso mesmo pra puder diferenciar as atividades, ter entusiasmo e procurar sempre coisas que façam eles se interessarem... e também ter paciência, bater na mesma tecla de maneiras diferentes, mas ali, procurando trazer eles sempre... que não desistam... daquilo que a gente acha que eles almejam (Prof. 03, EJA – Período II).
O aluno... ele se prende mais em sala... ele vem mais porque sabe que o professor naquele dia vai dar uma aula diferente, vai ter uma ação... [...] se o professor não tiver essa criatividade, o aluno vai-se embora, ele fica sem estímulo (Prof. 11, EJA – Período II).
O professor da EJA tem que ser animador, pra gente dá ânimo aos alunos, né? Dar esse estímulo, essa alegria, trabalhar essa auto-estima que às vezes é muito fraca neles (Prof. 10, EJA – Período I).
É notório que a busca por estratégias metodológicas que favoreçam a apreensão dos conhecimentos de modo mais interativo, que impulsionem à participação ativa dos alunos no processo de construção desses conhecimentos abrange o trabalho educativo em qualquer nível ou modalidade de ensino e na EJA não poderia ser diferente, no entanto, observamos que os discursos proferidos não apresentam uma referência que vincule claramente a diversidade metodológica – continuamente citada – às questões curriculares que permeiam o universo do jovem e do adulto. Não seriam essas questões um dos fatos maiores que demonstrariam a segurança necessária ao profissional imerso nesse universo?
Considerando todas as análises realizadas no decorrer dessa primeira etapa de nossa pesquisa, podemos observar que os docentes atuantes na Educação de Jovens e Adultos da rede estadual de ensino do Rio Grande do Norte, apesar de contarem com constantes cursos de capacitações e atualizações ofertados pelos órgãos responsáveis por essa modalidade de ensino, ainda retratam características bem mais correspondentes com seus processos formativos, demonstrando, assim, um distanciamento e pouco domínio das questões específicas que se referem ao trabalho com turmas de jovens e adultos.
Nesse sentido, evidencia-se uma identificação bastante incipiente no que se refere à atuação desses profissionais no contexto da EJA. O trabalho desenvolve-se de forma coerente com as exigências presentes no ambiente escolar, cumprindo a obrigatoriedade de manter os alunos freqüentando, de realizar aulas criativas, de ensinar os conteúdos previstos ao ano letivo, porém, com um distanciamento do que poderia ser definido como uma “identidade docente em EJA”. Os discursos revelam uma falta de autonomia do profissional em relação a sua prática e este se reporta bem mais à reprodução de colocações comum e socialmente divulgadas quando voltadas à Educação de Jovens e Adultos, geralmente, centradas na descrição do alunado e na inconstante permanência dos alunos no ambiente escolar.
Ao nos referirmos à abordagem identitária, ressaltamos a colocação de Nóvoa (1995, p. 16), ao mencionar que
[...] a identidade não é um dado adquirido, não é uma propriedade, não é um produto. A identidade é um lugar de lutas e de conflitos, é um espaço de construção de maneiras de ser e estar na profissão. Por isso é mais adequado falar em processo identitário, realçando a mescla dinâmica que caracteriza a maneira como cada um se sente e se diz professor.
Entendemos assim, que a identidade profissional desenvolve-se e constrói-se no trabalho constante de aperfeiçoamento, reflexão, aprofundamento das questões com que se lida, de estudo e discussão sobre aquilo que instiga e se coloca como desafio a ser superado em construções e reconstruções cotidianas. Acreditamos, com isso, que uma vez inseridos no universo da EJA, seria esse o percurso a fazer com que esses docentes caminhassem na direção de um processo identitário que os permitisse adquirir não apenas um conhecimento mais sistemático e condizente com seu contexto de trabalho, mas, sobretudo, que lhe favorecesse uma autonomia mais significativa em suas realizações.
É nesse caminho que pretendemos seguir com nossa investigação. Confiando que muito ainda há por ser descoberto e por ser feito, a fim de que a Educação de Jovens e Adultos assuma a singularidade que a permeia enquanto modalidade de ensino e que os profissionais nela atuantes possam identificar-se paulatinamente com a grandiosidade da tarefa lhes é colocada.
REFERÊNCIAS
CANDAU, Vera Maria. (Org.). Magistério: construção cotidiana. Petrópolis: Vozes, 1997.
NÓVOA, Antonio. Os professores e sua formação. Lisboa: Publicações Dom Quixote, 1995.
PIMENTA, Selma Garrido; GHEDIN, Evandro. (Orgs). Professor reflexivo no Brasil – gênese e crítica de um conceito. São Paulo: Cortez, 2005.
RIO GRANDE DO NORTE. Secretaria Estadual de Educação, Cultura e Desportos. Educação de Jovens e Adultos – A Educação de Jovens e Adultos sob o olhar do educador. CODESE/SUEJA, vol 12, 2005.
RIO GRANDE DO NORTE. Proposta Curricular para o Ensino Fundamental. Secretaria Estadual de Educação, Cultura e Desportos. Estado do Rio Grande do Norte, Natal,
1996.
SOARES, Leôncio José Gomes. A formação do educador de jovens e adultos. In: SOARES, Leôncio José Gomes (Org.). Aprendendo com a diferença – Estudos e pesquisas em Educação de Jovens e Adultos. Belo Horizonte: Autêntica, 2005.
TARDIF, Maurice. Saberes docentes e formação profissional. Petrópolis: Vozes, 2002.
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